Tantra: Entre a Terapia e o Tabu, Escolas Formam Profissionais Longe dos Estereótipos

 

A primeira coisa que Marcos, um advogado de 42 anos, pensou ao entrar na sala foi: “Onde eu vim me meter?”. O ar era levemente adocicado por um incenso que ele não sabia nomear. No chão, colchonetes dispostos em círculo. Nenhuma maca de massagem convencional, nenhuma luz baixa vermelha, nenhum dos clichês que o Google e o imaginário popular insistem em vender. Ao seu redor, um grupo heterogêneo. Uma senhora de cabelos grisalhos, um rapaz que parecia ter saído da faculdade, uma mulher com a expressão cansada de quem enfrenta longas jornadas de trabalho.

Todos ali, na zona sul de São Paulo, por um motivo que ainda parecia um tanto nebuloso para Marcos: um curso de formação profissional em massagem tântrica. A palavra, por si só, já é um campo minado. Para a maioria, é sinônimo de sexo. Uma espécie de eufemismo para prostituição com um verniz de espiritualidade.

Mas o que acontece dentro dessas salas, que se multiplicam silenciosamente em grandes capitais, parece ser bem diferente. E muito mais complexo.

 

Desconstruindo o Toque, Tijolo por Tijolo

 

“Meu primeiro trabalho, antes de ensinar qualquer técnica, é desconstruir. É um trabalho de formiguinha, sabe?”. A frase é de Ana Clara Vasconcelos, 48, terapeuta corporal e fundadora da escola. Ela fala com a paciência de quem já repetiu aquilo milhares de vezes, mas sem perder a firmeza. O corpo dela, relaxado, contrasta com os ombros tensos da maioria dos alunos no primeiro dia. “As pessoas chegam aqui com uma carga imensa. De culpa, de vergonha, de uma vida inteira ouvindo que o corpo é sujo e que o prazer é pecado. Acham que vão aprender uma ‘técnica secreta’ para o sexo”.

Ela faz uma pausa. E sorri, um sorriso que é parte compaixão, parte ironia.

“Aí eu coloco todo mundo pra respirar por 40 minutos.”

O que se ensina ali tem mais a ver com anatomia sutil, bioenergética e, principalmente, ética, do que com erotismo. Os módulos iniciais são densos. Falam sobre os anéis de couraça de Wilhelm Reich, sobre mapas de energia do corpo, sobre a diferença fundamental entre toque e invasão. Sobre consentimento. A palavra “consentimento” é repetida como um mantra. Antes de qualquer prática, durante e depois.

Não se fala em orgasmo. Fala-se em fluxo de energia. Não se fala em “finalização feliz”. Fala-se em presença, em escuta corporal. O buraco, como se vê, é muito mais embaixo.

 

A Cura para a Solidão da Era Digital?

 

Mas o que leva um advogado, uma aposentada e um universitário a investirem tempo e um dinheiro considerável – as formações completas podem passar dos dez mil reais – em algo tão estigmatizado? A resposta talvez não esteja no sexo, mas na falta dele. E não apenas o sexo, mas a falta de toque. De intimidade real.

“Eu… eu me dei conta de que ninguém tocava em mim. De verdade”, confessa Marcos, durante um intervalo, com uma voz quase sussurrada. “No trabalho, é o aperto de mão. Em casa… a gente se perde na rotina. Meus relacionamentos eram superficiais. Eu tinha centenas de ‘amigos’ online e uma solidão que dava pra sentir no osso”.

A narrativa se repete. Em um mundo de conexões infinitas pelas telas, a pele parece viver um deserto. A busca, no fim das contas, é por uma reconexão primária. Primeiro, consigo mesmo. Depois, com o outro. A massagem, nesse contexto, vira uma ferramenta. Um veículo.

“A gente aprende a tocar como quem lê um livro em braile”, explica uma aluna, Camila, 35, que é fisioterapeuta e busca uma nova abordagem para seus pacientes com dores crônicas. “Você aprende a sentir a tensão, a tristeza, a alegria contida nos músculos. É terapêutico. Para quem recebe e, olha… para quem faz também”.

A promessa não é de um milagre sexual, mas de alfabetização corporal. De entender que a pele tem memória e que o corpo fala, mesmo quando a boca se cala. É uma proposta ousada. E, para muitos, profundamente transformadora.

O estigma, claro, não desaparece com um certificado na parede. Ana Clara conta, com um suspiro, sobre as dificuldades de anunciar o curso, de explicar para a família, de lutar contra a associação automática com o mercado da prostituição, que se apropriou do nome “tântrica” de forma predatória. “É uma luta constante. Para profissionalizar, para mostrar que isso aqui é saúde, não é… outra coisa. Mas a gente segue”.

Ao final do dia, os ombros de Marcos parecem um pouco menos tensos. A expressão dos outros alunos é mais suave. Ninguém saiu dali um guru do sexo ou um amante transcendental. A mudança é mais sutil.

E talvez mais importante.

A porta da sala se fecha. Lá dentro, o silêncio não é de constrangimento. É de trabalho. E de respeito.